quarta-feira, 31 de março de 2010

Mercado



Levanto-me. Agora temos electricidade 24h por dia na pensão, ligo a ventoinha do tecto, porque às 8h da manhã o calor já é muito. Tenho picadelas novas, como todos os dias, o raio dos mosquitos não me largam, até com a rede mosquiteira... não sei como conseguem... Mas ao menos aqui já não tenho formigas na cama, como nas semanas em Iemberem! Tomo o pequeno almoço e vou ao mercado. No Bandim há de tudo, tudo o que se pode querer, no Bandim há! Um dia destes vou ler os búzios, quem sabe! :) Aqui vive-se a religiosidade de uma maneira tão intensa, que te deixas levar. Eu não acredito, mas tenho um grande respeito! Aqui os curandeiros são a primeira escolha quando algo acontece, caso não haja resultado, depois as pessoas vão ao médico. Isto principalmente nas tabancas, em Bissau as coisas já são um pouco diferentes, mas nem muito assim! No Bandim oiço de 2 em 2 minutos a chamarem-me, não pelo meu nome, mas pela cor da minha pele, como não vejo mais nenhum outro branco, deduzo que seja para mim. As crianças pedem-me para lhes comprar saldo para telemóvel, meias, gilettes, cigarros individuais, mancarra (amendoins), etc, etc. Vou às senhoras das papaias, estou completamente viciada em papaia! 1 papaia pequena 500 CFA. Meio quilo de tomates 500CFA. 2 ovos 200 CFA. Gosto de ir ao mercado, a azáfama dos compradores e vendedores, mas ao mesmo tempo a serenidade de quem simplesmente está sentado à espera que alguém chegue e compre. Cada dia esperam vender alguma coisa, para no final do dia terem algum dinheiro para comprar comida para a família. Quem vive nas tabancas de mais difícil acesso, as coisas são mais complicadas. Porque aí a maioria das pessoas cultiva alguma coisa e vende o que tem, mas quando os mercados são longe têm de caminhar muito para irem vender. Também há quem tenha bicicleta, alguns vão de tabanca em tabanca com diversos produtos, são os vendedores ambulantes. Aqui em Bissau realmente há de tudo. Claro que os produtos mais "europeus" encontram-se nos supermercados, que em grande maioria são frequentados por europeus. Aqui os preços são exurbitantes, mas também é tudo marca, maioritariamente portuguesa. Vou ao mercado central almoçar. O mercado central, pelo que percebi era um dos mais abastecidos, mas que foi completamente destruido na guerra civil de 1988. Posteriormente foi recuperado em 1999, mas houve um novo incêndio e a partir dessa altura está completamente degradado, onde se junta muito lixo... No entanto, há umas senhoras que se juntam lá e cozinham em grandes panelas alguns pratos. Colocaram bancos de madeira e as pessoas almoçam por 500 CFA. Eu sou uma cliente assídua. Caldo de mancarra, um prato de peixe com mandioca, cenoura, abóbora e arroz e um outro. Normalmente há 3 pratos. Algumas pessoas comem com as mãos, mas também têm colheres. No início uma pessoa até se faz um pouco de esquisita, mas neste momento até compro os sumos de cabaceira que as mulheres fazem e metem dentro de garrafas de plástico/ vidro. O sumo é bom e nunca me aconteceu nada, por isso vou continuar a comprar comida na rua. Descontraída! Sinto-me bem! Ando a fazer mil e umas coisas! Dar aulas de natação, dar explicações de português, ter aulas de dança, ter aulas de francês, organizar uns projectos com uma ONG guineense que trabalha na área da violência contra mulheres (principalmente mutilação feminina e casamentos forçados). Estou a conhecer muitas pessoas e cada dia é uma novidade.
A noite aqui é escura, mais escura do que nos outros sítios. Aqui não
há electricidade, só geradores. Então as ruas são mesmo escuras e tem que se ter muito cuidado com os buracos no chão, mas as estrelas brilham muito e quando está lua cheia ela ilumina a estrada. Eu estou na Praça (nome do bairro), mas aqui não se passa nada. No final da tarde início noite a estrada principal está caótica, demora-se imenso tempo, é a hora de ponta de Bissau. Então junto ao mercado do Bandim, os Toca Toca, taxis, bicicletas, carros, candongas, fazem as suas razias junto a outros veículos e a peões já acostumados a esta azáfama. As vendedoras de pão, bolos, laranjas, bananas e papaias continuam ali, no mesmo sítio desde as 8h da manhã, continuam serenas, com as suas cores coloridas nas saias, lenços na cabeça e lenço nas costas com a criança a dormir. Com a noite a chegar, começa-se a acender as pequenas lâmpadas para os possíveis compradores possam saber onde está o produto necessário. Isto tudo na berma da estrada.

domingo, 28 de março de 2010

O "TEMPO" em África


"A percepção que têm do tempo é diferente, como é diferente a relação que com ele mantêm. O europeu está convencido de que o tempo tem uma existência exterior a ele próprio, uma existência objectiva e com uma natureza mensurável e linear. O europeu vê-se a si próprio como um escravo do tempo, está dependente dele, é-lhe submisso. Para poder existir e funcionar tem de respeitar as suas leis, seus prazos, datas, dias e horas. Move-se dentro da máquina do tempo e essa máquina impõe-lhe as suas obrigações, exigências e normas. Entre o Homem e o tempo paira um conflito irresolúvel, que termina sempre com a derrota do Homem, o tempo destrói-o. O tempo torna-se perceptível como consequência das nossas acções e desaparece quando deixamos de fazer alguma coisa ou não fazermos absolutamente nada. O tempo é uma categoria passiva e, acima de tudo, dependente do Homem. Uma inversão completa do pensamento europeu. Quando chegamos a uma aldeia num país africano, na qual vai haver uma reunião durante a tarde e não encontramos ninguém no local, não vale a pena perguntar quando a reunião começa. A resposta é conhecida: "Quando as pessoas estiverem presentes". Daí que um africano, depois de entrar num autocarro, nunca pergunta quando vai partir, entra, senta-se num lugar livre e passa imediatamente a um estado no qual passa uma grande parte da sua vida- À espera! Em que consiste essa espera? Quando entram neste estado, as pessoas sabem à partida o que vai acontecer e por isso escolhe uma posição confortável, num lugar agradável. Muitas vezes deitam-se, ou acocoram-se no chão sobre uma pedra. Calam-se. A maioria dos que esperam fá-lo em silêncio, os músculos descontraem-se . O que vai nas suas cabeças?? Será que pensam? Sonham? Recordam? Planeiam o que quer que seja? Meditam? Será que se encontram num outro mundo?..."

Ryszard Kapuscinski Ébano- A Febre Africana

quarta-feira, 24 de março de 2010

Bijagós- Bubaque






Este fim de semana fui aos Bijagós, mais exactamente à ilha de Bubaque. Apanhei barco pelas 14h em Bissau na 6ª feira e cheguei pelas 18h a Bubaque. O porto não é nada bonito, não costumam ser e este não era excepção. Fui com 2 raparigas portugueses que estão a fazer o doutoramento em Buba. Chegámos e andámos à procura de sítio para ficar, dividimos um bangalow. 6ª feira não foi comprida, e no sábado fomos à ilha de Bruces, com um grupo alugámos um carro entre todos, éramos 12! A ilha de Bruces é paradisíaca, uma praia de uns 10 kms completamente para nós, palmeiras e uma vegetação diversa... e umas casas abandonadas de ex-colonos, imagem de uma cidade fantasma no meio da série "Lost"... Lindo! Depois jantar, ouvir musica, dançar... Um ambiente super tranquilo, relaxante... Era gaja de ficar por lá 1 semanita a não fazer nada e sabe tão bem!
Agora de volta a Bissau, desde domingo! 2ª e 3ª estive a trabalhar na edição do filme de sensibilização para a comunidade de Iemberem, com a TV Klelé, aqui em Bissau e já acabou de vez esse trabalho! E comecei a ser ajudante da professora de natação da escola internacional, todas as 3ªs durante 2 horas! É muito bom e divirto-me imenso! E sempre vou desenvolvendo mais o francês porque só se fala esse idioma nessa escola.

Bjoas grandes**

terça-feira, 16 de março de 2010

mapa

Iemberem como muita flora e fauna





Em Iemberém

Depois da viagem atribulada... mas de certa maneira nada comparada com a viagem de volta... que já lá iremos! Em Iemberem fiquei numa casa de passagem da ONG guiniense AD. Na 1ª semana estive a conhecer a comunidade: fui às escolas, fui ao centro de saúde onde assisti a muitas consultas e tentei perceber quais as principais problemáticas da zona, conheci as principais ONGs existentes na comunidade, conheci as instalações e programa da rádio e televisão comunitária. Falei com muitas pessoas, iam todas lá a casa para me cumprimentarem e oferecerem-me bananas e coisas desse tipo! Ali, quando se sai de casa, nunca se sabe quanto tempo se demora a chegar ao nosso destino, depende sempre da quantidade de pessoas que encontramos pelo caminho... porque cada pessoa que vemos, cada cumprimento de meia hora... O cumprimentar traduzido para português (porque sim, já o faço em crioulo, mal... mas tento!)
" - Bom dia!
- Bom dia!
- Como está?
- Tudo bem! E como está?
- Tudo bem. E como vai o corpo?
- O corpo vai bem.
- Como vai a família?
- A família está bem.
- E como acordou?
- Acordei bem.
- E como vai o trabalho?
- O trabalho vai bem.
- E como está a passar o dia?
- Tudo bem..."

E fui conhecendo as pessoas... na 2ª semana comecei a criar o guião para o spot publicitário, cerca de 15 minutos, para sensibilizar a comunidade dos cuidados a ter de higiene e formas de prevenção de doenças. Gostei muito! Claro que surgiram pequenos obstáculos que nestas situações se tornam em problemas maiores, mas que iam sempre sendo ultrapassados... com maior ou menor dificuldade! Por exemplo arranjar pessoas para falar à frente das câmaras, não foi nada fácil... ou quando o camera-men ficou com febre... e tendo em consideração que só havia electricidade das 19h às 24h... Mas foi uma experiência realmente enriquecedora!
Infelizmente não foi possível fazer todo o trabalho de edição em Iemberem e trouxe o trabalho em bruto para Bissau, para ser editado aqui. A viagem de volta... então de manhã andei a ver se havia algum carro que saísse... descobri um camião. Esse camião ia sair às 10h, óptimo! Saímos às 11h! Está bem! Pessoas (mais de 30), cabras (eram 3), galinhas (mais de 10), patos (4), frutas, malas, alguidares, sacos, madeira, bidons de gasóleo... tudo para dentro do camião!! E misturado! Ok e lá partimos nós! O tempo que eu demorei de moto na viagem de chegada (2h), de camião já ia em 4 horas e estávamos em metade do caminho! Paravámos em todas as Tabancas para apanhar mais alguma pessoa ou para apanhar mais alguma bagagem para levar ao primo que estava numa outra Tabanca mais à frente. Cada vez que parávamos, íamo-nos sentar à sombra de alguma casa e aí davam-nos comida. Lembro-me de um grupo de 10 pessoas, comigo incluída, agachadas à volta de um alguidar de arroz, onde todos comemos com as mãos, estava óptimo o arroz! Também comi uns fritos com fruta pão e cebola e malagueta! A viagem foi muito rica, mas se continuasse com o camião não chegava nesse dia a Bissau de certeza... Passou um carro da Missão Envangélica e apanhei boleia! Éramos menos, mas mesmo assim o número excedia em muito a lotação suposta. Assim, consegui chegar às 17h30 a Quebo. Em Quebo, às 18h consegui arranjar uma candonga (novamente muitas pessoas, animais e mercadorias) e cheguei a Bissau pelas 22h. Tomei um banho e viajei exausta para o país dos sonhos...
Agora estou em Bissau...
Vou na 6ª feira para Bubaque, nos Bijagós.
Comecei ontem as aulas de dança: danças tradicionais das várias étnias ( Balanta, Fula, Mandinga, Pepel, Bijagó...).
Ando a entregar CVs e vamos a ver o que acontece... queria ficar por Bissau, para não me acontecer como na entrevista para os Médicos do Mundo que estava no Sul, sem internet e com pouca rede...

Beijinhos**

Buba até Iemberém


Estas imagens lindíssimas são de Buba, no sul do país. Apanhei boleia de um carro da cooperação portuguesa até Buba, aí fiquei um dia e uma noite na casa de duas raparigas portuguesas que estão a fazer o doutoramento com chimpanzés. No dia seguinte elas iam para Bissau e eu fiquei no cruzamento de Manpata às 6h da manhã, noite breu!! Aí estive até às 9h, até passar um camião que me deu boleia (boleia que se paga, claro!) até Guilege. Atenção que este caminho é um dos piores do país... cheio de crateras... 1h de caminho e depois em Guilege paguei a um fulano para me ir por de mota, e foram 2 horas até Iemberém! Uma aventura...