terça-feira, 29 de junho de 2010

Daniel Oliveira (www.expresso.pt)

9:00 Terça-feira, 29 de Junho de 2010

"Segundo um estudo realizado por sociólogos do ISCTE, vinte por cento dos portugueses estão abaixo do limiar de pobreza. Ou seja, não conseguem garantir o mínimo das necessidades familiares. Se não fossem as ajudas do Estado este número passaria para os 40%.

31% das famílias estão no escalão imediatamente acima do limiar de pobreza - ganham entre 379 e 799 euros. 21% não têm qualquer margem para qualquer despesa inesperada. 12% não conseguem comprar os medicamentos que precisam. Muitos deles, apesar de terem mais qualificações do que os seus pais, vivem pior do que eles. 35% vivem confrontadas com situações frequentes de escassez, o que inclui a impossibilidade de aquecer a casa ou de usufruir de baixas médicas para não perder rendimentos. 57% vivem com um orçamento familiar abaixo dos 900 euros.

Este povo pobre desconfia dos outros, desconfia do poder (70%), não está satisfeito com as suas condições de vida mas, extraordinariamente, considera-se feliz. Mais de um terço dos insatisfeitos diz que nada faz para mudar de emprego, 63% recusa a possibilidade de emigrar e apenas uma minoria diz que deseja voltar a estudar.

Este estudo diz-nos duas coisas.

A primeira é evidente para quem conheça o País: os portugueses não vivem acima das suas possibilidades. Vivem abaixo delas. Há uma minoria, isso sim, que garante para si a quase totalidade dos recursos públicos e privados. Somos, como se sabe, o País mais desigual da Europa. Temos dos gestores mais bem pagos e os trabalhadores que menos recebem. Somos desiguais na distribuição do salário, do conhecimento, da saúde, da justiça. E essa desigualdade é o nosso problema estrutural. É esse o nosso défice. Ele cria problemas económicos - deixando de fora do mercado interno uma imensa massa de pessoas -, orçamentais - deixando muitos excluídos dependentes do apoio do Estado -, sociais, culturais e políticos.

A segunda tem a ver com isto mesmo: a pobreza estrutural não leva à revolta. Dela não resulta exigência. Provoca desespero e resignação. Resignação com a sua própria vida, resignação com a desigualdade e resignação com a incompetência dos poderes públicos. A pobreza não apela ao risco. Não ajuda à acção. O atraso apenas promove o atraso.

Nos últimos 25 anos entraram em Portugal rios de fundos europeus. Aconteceu com eles o que aconteceu com todas as oportunidades que Portugal teve nos últimos séculos. Desde o ouro do Brasil, passando pelo condicionalismo industrial do Estado Novo e acabando nos fundos europeus, nos processos de privatização para amigos e no desperdício em obras públicas entregues a quem tem boas agendas de contactos, que temos uma elite económica que vive do dinheiro fácil, do orçamento público e da desigualdade na distribuição de recursos. Essa mesma que, em tempo de crise, o que pede éredução do salário e despedimento fácil.

Repito: os portugueses não vivem acima das suas possibilidades. Apenas vivem num País onde as possibilidades nunca lhes tocam à porta. O nosso problema é político. É o de uma economia parasitária de um Estado sequestrado por uma minoria que não inova, não produz e não distribui. De um Estado e de um tecido empresarial onde os actores se confundem. De um regime pouco democrático e nada igualitário. E de um povo que se habituou a viver assim. De tal forma resignado que aceita sem revolta que essa mesma elite lhe diga que ele, mesmo sendo pobre, tem mais do que devia."

sexta-feira, 18 de junho de 2010

E hoje Portugal ficou mais pobre...
Desapareceu um Grande Senhor... um grande escritor, mas sobretudo uma Pessoa que vai fazer falta a este Mundo, a este país...



Intimidade

No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.

José Saramago

A Flor Máis Grande do Mundo (José Saramago)